sexta-feira, 15 de março de 2019

Tragédia de Suzano: O que temos a ver com isso?


Quando uma mãe perde um filho, todas as outras mães acabam sofrendo e perdendo um pouco de si também. Infelizmente estamos vivendo a verdade dessa frase com muita frequência. 




Na manhã dessa quarta feira, dia 13 de março de 2019, todas as mães sentiram um pouco da dor de perder um filho abruptamente. Todas as mães beijaram seus filhos antes de irem para escola com o coração apertado. Nós fizemos isso. Na tarde do dia da tragédia beijamos nossos filhos e filhas, dizendo um “Vá com Deus” de todos os dias, porém, com muito mais intensidade. Pensamos naquelas mães que viram seus filhos indo para escola, mas não os receberam de volta. Que tristeza, meu Deus! Mesmo que quiséssemos, não há como expressar em palavras o sofrimento que essas famílias estão vivenciando. 

Diante disso tudo e de todas as outras tragédias desse ano de 2019, cabe uma reflexão: O que temos a ver com isso? Onde estamos errando enquanto família, na formação de cidadãos? Sim, isso mesmo. Autorresponsabilização é um exercício que queremos propor nesse momento. Não que o acontecido em questão tenha sido “culpa” das mães e dos pais dos rapazes atiradores. Há todo um contexto e um conjunto de fatores e influências externas, sabemos. Ataques como esse podem ser motivados por bullying, vingança, depressão, influências da deep web ( internet oculta), jogos violentos etc. Há também a influência da nossa sociedade machista que está sempre pressionando nossos meninos para serem os valentões, que resolvem tudo com agressão e "não levam desaforo pra casa". Enfim, os fatores são inúmeros e é impossível definir uma motivação específica. Mas, é inevitável pensar que uma conexão sólida entre família e filhos pode evitar esse tipo de tragédia e o adoecimento mental de adolescentes. 

Um outro fator que pode ter grande influência é o clima social e político do país. Veja que não estamos aqui dizendo que, especificamente nesse caso, esses jovens agiram em nome ou por culpa de algum governante, não é isso. Mas estamos dizendo de uma realidade que vivemos. Também somos profissionais da Educação Pública e vivenciamos, na prática, o impacto que crianças e adolescentes sofrem com uma enorme instabilidade política no país. Quase que diariamente ouvimos falas dos estudantes que demonstram isso, como: “Fulano, você é um veadinho, agora eu posso te matar!”. É isso, é uma espécie de “licença para matar” que está tomando conta do imaginário dessas crianças que ainda não conseguem processar o discurso de ódio e preconceito que vem sendo propagado. Assim como a figura da mãe e do pai, líderes e autoridades são grandes referências para os pequenos. 

Estamos vendo diariamente crianças nas escolas imitando o gesto de “arminha com as mãos”, o que não tem nada de inocente nem engraçadinho. E não é somente sobre o gesto em si, mas sobre o discurso pesado por trás dele validando a violência. Também não é somente sobre as leis que flexibilizarão o porte de armas daqui pra frente, mas sobre a apologia à violência. A cultura da violência tem sido alimentada no imaginário dos nossos jovens e isso é muito sério. Isso sempre aconteceu, é verdade, mas a intensidade atual é assustadoramente maior, acreditem. Falamos por experiências próprias, do chão da sala de aula.

Retornamos então ao nosso questionamento inicial: o que temos a ver com isso? Tudo! Diante desse cenário instável, a família (que pode ou não ser aquela com composição tradicional) será o refúgio para acolher, ajudar a entender e orientar essas crianças. Precisamos tomar nossa responsabilidade nisso. Precisamos construir conexões firmes com nossas crianças para que não criemos adolescentes adoecidos mentalmente e vulneráveis aos discursos propagados por aí. 

E não estamos aqui "culpando" as mães, assim como a mídia tem feito com as mães dos adolescentes atiradores de Suzano. Consideramos que o mais importante na formação da personalidade dessas crianças e adolescentes é que vivenciem relações verdadeiramente afetivas e cheias de significado, sejam elas com as mães, pais, avós, tios...enfim! Afinal, assim como diz um provérbio africano, "é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança."




Diante desse cenário de incertezas, instabilidade emocional e ódios latentes o que podemos fazer enquanto pais e mestres para potencializar uma cultura de paz, empatia e a construção de uma sociedade mais inclusiva e saudável emocionalmente?

Bem, acreditamos que há necessidade de diálogos e proximidade, escuta e empatia pelas crianças e jovens. A tecnologia nos trouxe muitos progressos, mas não pode substituir o contato físico entre pais e filhos, entre colegas e professores. Há necessidade de dedicarmos um tempo qualitativo aos nossos filhos, estar "junto" de verdade, escutar, amar...

Como professores temos a nossa responsabilidade na formação de crianças e adolescentes. Contribuímos com a educação da família. A escola não é apenas o lugar do conhecimento sistematizado. O conhecimento, aliás, está em todos os lugares e relações. A escola é um lugar de vida latente, de reflexão, de dúvida, de construção e desconstrução. É o lugar onde as diferenças se encontram seja por meio de crenças, valores... Quando se trata de escola pública o pluralismo é maior. É na escola pública que ganha-se ou perde-se um país. Diante de tantas tragédias anunciadas e que poderiam ter sido evitadas e da falta de investimento em Educação, estamos perdendo.

Como professoras lidamos com sonhos, expectativas, frustrações... Participamos de etapas na escolarização dos estudantes. Os pais participam da vida global. Não podem terceirizar o seu trabalho. Devem assumir as responsabilidades.

Presentes materiais não substituem presença. Horas no YouTube não substituem diálogo. Não podemos perder essa moçada. Temos que rever nossos objetivos, eleger prioridades, recuperar a esperança, voltar a sonhar e cobrar ações concretas dos nossos governantes em prol da construção de uma sociedade mais justa, democrática e igualitária. Quem sabe assim, colheremos a tão sonhada paz. 


“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. 
Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.” Bertolt Brechet




Abraços!


Talyta Andrade (@joaoemaria_passeiam) e 
Fernanda Grey (@arcoirisnomeuceuu)




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