quinta-feira, 30 de julho de 2015

Meu filho? Não!


Ser mãe de criança do sexo masculino não é fácil! Ao contrário do que as pessoas costumam inocentemente acreditar. 



Afirmo isso porque é a partir da construção biológica que é feita a construção de gênero e, como desfecho, temos várias mãos apontando como deve ser a criança com base nos valores da sociedade definidos como masculino e feminino.

Não é fácil ser mãe de criança do sexo masculino porque as pessoas fazem uma construção de atitudes, expectativas e comportamentos sobre a criança que acabam por gerar frustrações se não são atendidas. 

E para as pessoas a culpa é sempre de quem mesmo?

Nesse contexto, se você adota uma postura de mãe que ensina à criança algumas coisas que estão na contramão do que a sociedade espera dela, você ainda é considerada como "mãe fresca", como as pessoas adoram rotular quando estão sentadas em seu trono real.

As pessoas esperam que meu filho goste de futebol, carros, lutas, espadas e armas. Que fale palavrão e tenha muitas namoradas. Que seja agressivo e revide às ofensas. Que assista a desenhos violentos, passe longe da cozinha e de atividades domésticas. Que seja jogador de futebol ou tenha um emprego que o torne, pelo menos, dono de um carro da Ferrari. E, por fim, quando já tiver aproveitado bastante a boemia, que monte em seu cavalo branco, acorde com um beijo uma princesa adormecida e dê a ela um imenso castelo encantado, onde possa passar o resto de sua vida enquanto ele, bravamente, sairá pelo mundo para caçar e lutar com dragões. 

Para mim, corresponder a isso apenas reforça a intolerância, o preconceito e o machismo.

As crianças de hoje são os adultos de amanhã, por isso ensino ao meu filho algumas coisas que acredito que farão a diferença na concepção de mundo dele e quem sabe não o capacitarão para modificar o seu entorno.

Meu filho? Não! 

Meu filho não faz xixi na rua

É claro que não estou dizendo da fase de tirar as fraldas, pois sei que essa fase é o momento de aprender e é mais difícil para a criança acertar a ida ao banheiro quando ela está fora de casa, fora da sua "zona de conforto", sendo comum os imprevistos de calças molhadas quando estão na rua. Estou dizendo de crianças que já têm maior controle sobre seu corpo. Há quase dois anos meu filho fez a transição das fraldas, então ele já tem forte controle das suas necessidades biológicas. Minha opção por não deixá-lo fazer xixi na rua é simples: se ele fosse do sexo feminino ele poderia fazer na rua? Claro que não! Pois como a sociedade ensina, "menina" não faz xixi na rua. Então, por que meu filho teria o direito de fazer só porque é "homem"? Direitos iguais, ora. 

Pensa que é bobagem? Certa vez estávamos em um lugar com mato e o seguinte episódio aconteceu:
_ Mamãe, eu quero fazer xixi. Disse meu filho com as mãos entre as pernas.
_ Vai ali, no mato. Faz na árvore. Disse a pessoa X apontando para o local.
_ Não! Meu filho não vai fazer xixi no mato. Ele vai ao banheiro. Disse segurando meus nervos (fico extremamente brava com esse tipo de situação). Filho, é errado fazer xixi em outro lugar que não seja no banheiro. Falei olhando para meu filho.
_ Mas o que que tem o menino fazer no mato? Disse a pessoa Y.
_ Se ele fosse menina, onde ele teria que fazer? Perguntei para X e Y.
_ No banheiro. Responderam em coro. Menina é diferente. Completaram.
_ Hã? Isso é machismo. Meu filho vai ao banheiro. A biologia dele não o faz melhor do que as meninas. 

E depois a sociedade não quer que as pessoas urinem na rua, nas portas das casas e do comércio e na cidade inteira durante o carnaval.


Meu filho não anda sem roupa na rua

Não estou dizendo de praia e piscina. Para mim é a mesma questão da urina. Se a sociedade diz que meninas não podem andar sem roupa, por que meninos poderiam?


Meu filho não é castigado por brincar com bonecas 

No estereótipo da sociedade, meninas devem brincar de bonecas para aprender a cuidar. Para aprender a ser mãe. Devem brincar de "casinha", "comidinha", de cuidar dos filhinhos. Enquanto meu filho deveria passar bem longe disso, não é? 

Meu filho pode brincar de comidinha, de casinha e de cuidar de um filhinho. Tanto é assim que ele tem seus bonecos como filhinhos. Não é raro ouvi-lo dizer:

_ Não precisa chorar. Papai está aqui. Ao segurar um de seus bonecos nos braços e/ou colocar para dormir. 

Certa vez em um projeto de literatura da escola, meu filho recebeu a visita da "bonequinha preta" por um fim de semana. Entramos na brincadeira com tudo e carregamos a boneca para todos os lados: supermercado, restaurante, circo, clube e igreja. As pessoas olhavam, comentavam, apontavam e faziam milhões de perguntas. Fomos super criticados por deixarmos nosso filho brincar com uma boneca.




Meu filho não é ensinado que "isso é atividade de menina e aquilo é atividade de menino"

Infelizmente meu filho estudou durante um tempo em uma escola que fazia distinção nas atividades de meninos e meninas. Na referida escola, durante as atividades de recreação, os meninos eram ensinados a escalar árvores enquanto as meninas brincavam de bonecas. Eu fico revoltada só de lembrar.

Depois disso, encontrei uma escola onde as atividades são as mesmas para todos, de culinária à ginástica, de pintura à música.

Aqui em casa é assim para tudo: NÃO existe desenho de menina e desenho de menino, brinquedo de menina e brinquedo de menino, cor de menina e cor de menino... A questão da cor pra mim é uma das coisas mais bobas. O quarto do meu filho não é azul e uma das cores do quarto de recém-nascido dele era lilás (e não é porque ele dividia o quarto... ele é meu único filho). 





Meu filho não é caçoado por gostar de fazer comida e por realizar atividades domésticas

Meu filho é incluído nas atividades de cozinha e ele adora enrolar as coisas, inserir ingredientes e misturar massas. Não sei se ele vai ter gosto para culinária a vida inteira, mas eu espero que ele saiba cozinhar o tanto necessário que dê para sobreviver. Que ele não cresça acreditando que lugar de pessoa do sexo feminino é na cozinha e/ou "pilotando fogão".

Ele é ensinado desde cedo que as atividades domésticas devem ser compartilhadas por todos os moradores da casa. Não existe "ajuda", existe OBRIGAÇÃO de todos em fazer as atividades domésticas. Ele já tem a responsabilidade de manter a casa organizada. Se tirou uma coisa do lugar, coloca de volta. Se espalhou algum brinquedo, guarda ao término da brincadeira. Derramou alguma coisa, tem que limpar. Seu quarto é sua "casa particular" e, por isso, você é totalmente responsável por manter a ordem.


Meu filho não é reprimido por demonstrar emoções

É comum ouvir as pessoas dizerem às crianças do sexo masculino "seja homem" ou "seja macho", principalmente quando demonstram emoções como choro, medo e dor. 

Entendo que meu filho é humano e mortal e, por isso, não está livre das lágrimas, do frio na barriga e dos hematomas. 

A regra aqui é aprender a superar os desafios da vida, com choro ou sorriso, com medo ou braveza, com dor ou sem ela. 





As crianças aprendem "indiretamente" muitas coisas. Elas aprendem observando o comportamento das pessoas e é claro que a rotina doméstica e a maneira como os protagonistas da família atuam mostram/ensinam muito para a criança.

Sempre fico pensando em como as atitudes dos adultos contribuem para a formação machista das crianças. Já refletiu sobre?

Se é fácil criar um "menino" para que ele não reproduza o caráter dominante na sociedade? Para que ele trate com respeito todas as pessoas independente das características biológicas? Independente de gênero? Para que ele entenda que no mundo todos têm direitos e deveres nas mesmas quantidades? Para que ele seja resistente aos comentários das pessoas? À discriminação por não se comportar como os outros esperam que um "menino" se comporte (grosso, violento, insensível e blá, blá, blá)? Bem, como disse no início: ser mãe de criança do sexo masculino não é fácil! Ao contrário do que as pessoas costumam inocentemente acreditar.

Sempre existirão pessoas para tentar destruir tudo o que você tenta, rotineiramente, construir com seu filho. O ruim é que algumas pessoas nem se dão conta de que os comentários delas envenenam os pequenos.

O importante é a criança ter bons exemplos. Minha luta não é só minha. Só consigo êxito nessas coisas que ensino ao meu filho porque ele tem um pai que partilha dos mesmos princípios que eu.

Certa vez li que os pais e mães são referências pela presença ou pela ausência.





Nossas crianças são os adultos de amanhã.

Abraços!!!





Fernanda Garrides







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